Decreto-Lei n.º 220/95 de 31 de Agosto

O Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, introduziu no ordenamento jurídico português o regime da fiscalização judicial das cláusulas contratuais gerais. Foi um diploma em regra bem aceite, merecendo, inclusive, o destaque da doutrina estrangeira. Também a sua eficácia prática tem crescido, como se comprova pela própria jurisprudência.
Entretanto, surgiram as orientações comunitárias da Directiva n.º 93/13/CEE, do Conselho, de 5 de Abril, que impôs a adaptação das leis nacionais aos seus princípios. É o objectivo básico deste diploma.
Não se encontrou motivo para grandes alterações da disciplina entre nós consagrada, que, em muitos aspectos, se mostra mais exigente e rigorosa. Apenas se operaram, a bem dizer, ajustamentos ou explicitações.
Todavia, aproveitou-se o ensejo para efectuar, independentemente da directiva, vários retoques que pareceram oportunos. Foram ditados pelos quase 10 anos de vigência do diploma, pela modificação dos condicionalismos económico-sociais e até pela evolução normativa.
Nesta perspectiva, eliminou-se a alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º, que excluía da fiscalização judicial as «cláusulas impostas ou expressamente aprovadas por entidades públicas com competência para limitar a autonomia privada». Não parece que a excepção faça hoje sentido. Na verdade, assiste-se, não só à equiparação tendencial da Administração Pública, enquanto fornecedora de prestações e produtora de bens, aos profissionais da esfera privada, mas também à progressiva desregulamentação dos mercados onde intervêm as empresas abrangidas pelo condicionamento previsto na antiga alínea c). Em consonância, suprimiu-se o n.º 2 do mesmo artigo 3.º, onde se atenuava aquele preceito.
A propósito das cláusulas contratuais gerais proibidas (capítulo V), entendeu-se preferível autonomizar, numa secção introdutória, os anteriores artigos 16.º e 17.º
Efectivamente, trata-se de preceitos comuns, por natureza, às relações entre empresários ou entidades equiparadas e às relações que se estabeleçam com os consumidores finais, ao passo que os previstos para as primeiras são aplicáveis às segundas apenas mercê de remissão do legislador (artigo 20.º).
Além disso, suprimiu-se a alínea h) do artigo 19.º, por se encontrar tacitamente revogada desde a entrada em vigor, para o nosso país, da Convenção sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais, assinada em Roma a 16 de Junho de 1980, a que Portugal aderiu através da Convenção do Funchal de 18 de Maio de 1992.
Ficou expresso que a acção inibitória abrange tanto as proibições exemplificadas nos artigos 18.º, 19.º, 21.º e 22.º como quaisquer outras que contrariem o princípio geral da boa-fé, a que se referem os artigos 15.º e 16.º Tal interpretação do artigo 24.º decorria do espírito da lei.
O valor máximo da sanção pecuniária compulsória, fixado pelo artigo 32.º, foi elevado para o dobro da alçada da Relação. Confere-se maior amplitude de decisão ao tribunal e assegura-se, ao longo do tempo, uma actualização automática desse quantitativo.
Desaparece a norma que se ocupava do âmbito de aplicação do diploma no espaço, por se tornar desnecessária à luz das regras de conflitos introduzidas pela aludida Convenção de Roma. Com efeito, perante os dados legislativos actuais, a protecção do adquirente pode alcançar-se mediante uma norma limitadora da escolha da lei (artigo 23.º).
Institui-se o registo das decisões judiciais que tenham proibido o uso ou a recomendação de cláusulas contratuais gerais, assim como das que tenham declarado a nulidade de cláusulas inseridas em contratos singulares. É um meio que assegura conhecimento fidedigno e acessível.
A revisão empreendida reflecte a devida transposição da directiva comunitária que a suscitou, mas sem desconsideração da realidade portuguesa, já contemplada no texto legislativo que a precedeu. Aliás, ao fim e ao cabo, operou-se apenas uma remodelação de parte dos preceitos nele contidos. A técnica correcta da transposição de uma directiva não se reconduz à sua mera reprodução, visto que se impõe integrá-la adequadamente no ordenamento jurídico de cada Estado membro.
Procede-se, em anexo, à publicação integral da versão actualizada do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro. Com isto se pretende tornar mais fácil a consulta do novo texto.

Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:

Artigo 1.º Os artigos 1.º, 3.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, passam a ter a seguinte redacção:

Artigo 1.º
Cláusulas contratuais gerais
1 - As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma.
2 - O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.

Artigo 3.º
Excepções
O presente diploma não se aplica:
a) ...
b) ...
c) [Anterior alínea d).]
d) [Anterior alínea e).]
e) [Anterior alínea f).]

Artigo 5.º
Comunicação
1 - ...
2 - ...
3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.

Art. 2.º Os capítulo V, VI e VII do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, passam a ter a seguinte redacção:

CAPÍTULO V
Cláusulas contratuais gerais proibidas

SECÇÃO I
Disposições comuns por natureza

Artigo 15.º
Princípio geral
(Anterior artigo 16.º)

Artigo 16.º
Concretização

(Anterior artigo 17.º)

SECÇÃO II
Relações entre empresários ou entidades equiparadas

Artigo 17.º
Âmbito das proibições
(Anterior artigo 15.º)

Artigo 18.º
Cláusulas absolutamente proibidas
...

Artigo 19.º
Cláusulas relativamente proibidas
São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que:
a) ...
b) ...
c) ...
d) ...
e) ...
f) ...
g) ...
h) [Anterior alínea i).]
i) [Anterior alínea j).]

SECÇÃO III
Relações com os consumidores finais

Artigo 20.º
Âmbito das proibições
Nas relações com os consumidores finais e, genericamente, em todas as não abrangidas pelo artigo 17.º aplicam-se as proibições das secções anteriores e as constantes desta secção.

Artigo 21.º
Cláusulas absolutamente proibidas
São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que:
a) ...
b) ...
c) ...
d) Excluam os deveres que recaem sobre o predisponente, em resultado de vícios da prestação, ou estabeleçam, nesse âmbito, reparações ou indemnizações pecuniárias predeterminadas;
e) [Anterior alínea d).]
f) [Anterior alínea e).]
g) Modifiquem os critérios de repartição do ónus da prova ou restrinjam a utilização de meios probatórios legalmente admitidos;
h) Excluam ou limitem de antemão a possibilidade de requerer tutela judicial para situações litigiosas que surjam entre os contratantes ou prevejam modalidades de arbitragem que não assegurem as garantias de procedimento estabelecidas na lei.

Artigo 22.º
Cláusulas relativamente proibidas
1 - São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que:
a) ...
b) ...
c) Atribuam a quem as predisponha o direito de alterar unilateralmente os termos do contrato, salvo se existir razão atendível que as partes tenham convencionado;
d) Estipulem a fixação do preço de bens na data da entrega, sem que se dê à contra parte o direito de resolver o contrato, se o preço final for excessivamente elevado em relação ao valor subjacente às negociações;
e) [Anterior alínea d).]
f) [Anterior alínea e).]
g) [Anterior alínea f).]
h) Imponham a renovação automática de contratos através do silêncio da contraparte, sempre que a data limite fixada para a manifestação de vontade contrária a essa renovação se encontre excessivamente distante do termo do contrato;
i) Confiram a uma das partes o direito de pôr termo a um contrato de duração indeterminada, sem pré-aviso razoável, excepto nos casos em que estejam presentes razões sérias capazes de justificar semelhante atitude;
j) (Anterior alínea g).]
l) [Anterior alínea h).]
m) [Anterior alínea i).]
n) [Anterior alínea j).]
o) [Anterior alínea l).]
2 - O disposto na alínea c) do número anterior não determina a proibição de cláusulas contratuais gerais que:
a) Concedam ao fornecedor de serviços financeiros o direito de alterar a taxa de juro ou o montante de quaisquer outros encargos aplicáveis, desde que correspondam a variações do mercado e sejam comunicadas de imediato, por escrito, à contraparte, podendo esta resolver o contrato com fundamento na mencionada alteração;
b) Atribuam a quem as predisponha o direito de alterar unilateralmente o conteúdo de um contrato de duração indeterminada, contanto que se preveja o dever de informar a contraparte com pré-aviso razoável e se lhe dê a faculdade de resolver o contrato;
3 - As proibições constantes das alíneas c) e d) do n.º 1 não se aplicam:
a) Às transacções referentes a valores mobiliários ou a produtos e serviços cujo preço dependa da flutuação de taxas formadas no mercado financeiro;
b) Aos contratos de compra e venda de divisas, de cheques de viagem ou de vales postais internacionais expressos em divisas.
4 - As alíneas c) e d) do n.º 1 não implicam a proibição das cláusulas de indexação, quando o seu emprego se mostre compatível com o tipo contratual onde se encontram inseridas e o mecanismo de variação do preço esteja explicitamente descrito.

Artigo 23.º
Limitação do efeito da escolha da lei
Independentemente da lei que as partes hajam escolhido para reger o contrato, as normas desta secção aplicam-se sempre que o mesmo apresente ligação estreita ao território dos Estados membros da União Europeia.

CAPÍTULO VI
Disposições processuais

Artigo 24.º
Declaração de nulidade
(Anterior artigo 23.º)

Artigo 25.º
Acção inibidora
As cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura, quando contrariem o disposto nos artigos 15.º, 16.º, 18.º, 19.º, 21.º e 22.º podem ser proibidas por decisão judicial, independentemente da sua inclusão efectiva em contratos singulares.

Artigo 26.º
Legitimidade activa
1 - A acção destinada a obter a condenação na abstenção do uso ou da recomendação de cláusulas contratuais gerais só pode ser intentada:
a) ...
b) ...
c) Pelo Ministério Público, oficiosamente, por indicação do provedor de Justiça ou quando entenda fundamentada a solicitação de qualquer interessado;
2 - (N.º 2 do anterior artigo 25.º)

Artigo 27.º
Legitimidade passiva
1 - (N.º 1 do anterior artigo 26.º)
2 - A acção pode ser intentada, em conjunto, contra várias entidades que predisponham e utilizem ou recomendem as mesmas cláusulas contratuais gerais, ou cláusulas substancialmente idênticas, ainda que a coligação importe ofensa do disposto no artigo seguinte.

Artigo 28.º
Tribunal competente
(Anterior artigo 27.º)

Artigo 29.º
Forma de processo e isenções
(Anterior artigo 28.º)

Artigo 30.º
Parte decisória da sentença
(Anterior artigo 29.º)

Artigo 31.º
Proibição provisória
1 - Quando haja receio fundado de virem a ser incluídas em contratos singulares cláusulas gerais incompatíveis com o disposto no presente diploma, podem as entidades referidas no artigo 26.º requerer provisoriamente a sua proibição.
2 - (N.º 2 do anterior artigo 30.º)

Artigo 32.º
Consequências da proibição definitiva
(Anterior artigo 31.º)

Artigo 33.º
Sanção pecuniária compulsória
1 - Se o demandado, vencido na acção inibitória, infringir a obrigação de se abster de utilizar ou de recomendar cláusulas contratuais gerais que foram objecto de proibição definitiva por decisão transitada em julgado, incorre numa sanção pecuniária compulsória que não pode ultrapassar o dobro do valor da alçada da Relação por cada infracção.
2 - (N.º 2 do anterior artigo 32.º)
3 - (N.º 3 do anterior artigo 32.º)

Artigo 34.º
Comunicação das decisões judiciais para efeito de registo
Os tribunais devem remeter, no prazo de 30 dias, ao serviço previsto no artigo seguinte, cópia das decisões transitadas em julgado que, por aplicação dos princípios e das normas constantes do presente diploma, tenham proibido o uso ou a recomendação de cláusulas contratuais gerais ou declarem a nulidade de cláusulas inseridas em contratos singulares.

CAPÍTULO VII
Disposições finais e transitórias

Artigo 35.º
Serviço de registo
1 - Mediante portaria do Ministério da Justiça, a publicar dentro dos seis meses subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, será designado o serviço que fica incumbido de organizar e manter actualizado o registo das cláusulas contratuais abusivas que lhe sejam comunicadas, nos termos do artigo anterior.
2 - O serviço referido no número precedente deve criar condições que facilitem o conhecimento das cláusulas consideradas abusivas por decisão judicial e prestar os esclarecimentos que lhe sejam solicitados dentro do âmbito das respectivas atribuições.

Artigo 36.º
Aplicação no tempo
(Anterior artigo 34.º)

Artigo 37.º
Direito ressalvado
(Anterior artigo 35.º)
Art. 3.º É eliminado o capítulo VIII.
Art. 4.º O Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo presente diploma, é republicado em anexo.
Art. 5.º O presente diploma entra em vigor no dia 15 de Setembro de 1995.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 6 de Julho de 1995. - Aníbal António Cavaco Silva - Álvaro José Brilhante Laborinho Lúcio - Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.

Promulgado em 8 de Agosto de 1995.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 10 de Agosto de 1995.
Pelo Primeiro-Ministro, Manuel Dias Loureiro, Ministro da Administração Interna.