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Decreto Lei 32/2003
Decreto-Lei n.º 32/2003
de 17 de Fevereiro
Actualmente recaem sobre as empresas, particularmente as de pequena e média dimensão, encargos administrativos e financeiros em resultado de atrasos de pagamento e prazos excessivamente longos. Estes problemas são uma das principais causas de insolvência dessas empresas, ameaçando a sua sobrevivência e os postos de trabalho correspondentes.
A Directiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, veio estabelecer medidas de luta contra os atrasos de pagamento em transacções comerciais. Esta directiva regulamenta todas as transacções comerciais, independentemente de terem sido estabelecidas entre pessoas colectivas privadas - a estas se equiparando os profissionais liberais - ou públicas, ou entre empresas e entidades públicas, tendo em conta que estas últimas procedem a um considerável volume de pagamentos às empresas. Por conseguinte, regulamenta todas as transacções comerciais entre os principais adjudicantes e os seus fornecedores e subcontratantes. Não se aplica, porém, às transacções com os consumidores, aos juros relativos a outros pagamentos, como por exemplo os pagamentos efectuados nos termos da legislação em matéria de cheques ou de letras de câmbio, ou aos pagamentos efectuados a título de indemnização por perdas e danos, incluindo os efectuados por companhias de seguro.
O presente diploma visa transpor para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2000/35/CE, não procedendo, contudo, à transposição de todas as disposições da directiva, pois muitas das suas soluções encontram-se já consagradas na legislação portuguesa, nomeadamente no Código Civil.
Nestes termos, estabelece-se um valor mínimo para a taxa de juros legais de mora, por forma a evitar que eventuais baixas tornem financeiramente atraente o incumprimento. Uma vez que os juros comerciais previstos na legislação portuguesa não se aplicam actualmente a todas as situações cobertas pelo âmbito da directiva, e para evitar a duplicação de regimes, opta-se por sujeitar todas estas transacções ao regime comercial, prevendo-se o referido limite mínimo de taxa de juro legal de mora no Código Comercial.
Ao valor dos juros pode acrescer uma indemnização complementar. Prevê-se a possibilidade de o credor exigir uma indemnização suplementar quando prove que a mora lhe causou danos superiores ao valor dos juros.
Para facilitar a determinação do momento a partir do qual se vencem os juros de mora, prevê-se que, sempre que do contrato não conste a data de pagamento, aqueles se vençam automaticamente, sem necessidade de qualquer aviso, a partir de uma data determinada em função de algumas variáveis, mas que se aproximará, tendencialmente, de 30 dias a partir da recepção dos bens ou serviços.
A frequente desigualdade de posição entre as partes leva a que alguns contratos contenham normas que põem injustificadamente em causa o equilíbrio contratual - por exemplo, estabelecendo prazos excessivos para o pagamento. Desta forma, comina-se a nulidade para algumas destas cláusulas. Quando tais cláusulas revistam a natureza de cláusulas contratuais gerais, prevê-se a possibilidade de recurso à acção inibitória prevista no regime das cláusulas contratuais gerais, mesmo nos casos em que esse regime não fosse o aplicável - por exemplo, por o predisponente da cláusula ser o Estado. Esta remissão expressa para o citado regime em nada afecta a normal aplicação do mesmo quanto a outras questões, sempre que o caso o justifique.
O incumprimento pode também ser financeiramente atraente devido à lentidão dos processos de indemnização. A directiva exige que o credor possa obter um título executivo num prazo máximo de 90 dias sempre que a dívida não seja impugnada. O presente diploma facilita ao credor a obtenção desse título, permitindo-lhe o recurso à injunção, independentemente do valor da dívida. Esta possibilidade justifica que se estabeleça uma vacatio legis de 30 dias neste aspecto particular.
Por outro lado, aquela faculdade implica algumas alterações ao regime da injunção, nomeadamente ao nível das custas, sem prejuízo de uma posterior reavaliação, noutro contexto, das soluções ora adoptadas nesta matéria. Aproveita-se ainda para tornar mais claro o regime da notificação no que se refere ao procedimento da injunção, sem introduzir no mesmo alterações de carácter substancial.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Objecto
O presente diploma transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, a qual estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais.
Artigo 2.º
Âmbito de aplicação
1 - O presente diploma aplica-se a todos os pagamentos efectuados como remunerações de transacções comerciais.
2 - São excluídos da sua aplicação:
a) Os contratos celebrados com consumidores;
b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efectuados para remunerar transacções comerciais;
c) Os pagamentos efectuados a título de indemnização por responsabilidade civil, incluindo os efectuados por companhias de seguros.
Artigo 3.º
Definições
Para efeitos do presente diploma, entende-se por:
a) «Transacção comercial» qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração;
b) «Empresa» qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular;
c) «Taxa de juro da principal facilidade de refinanciamento do Banco Central Europeu» a taxa de juro aplicável a estas operações no caso de leilões a taxa fixa. Quando uma operação principal de refinanciamento for efectuada segundo o processo de leilão a taxa variável, a taxa de juro reporta-se à taxa de juro marginal resultante do leilão em causa.
Artigo 4.º
Juros e indemnização
1 - Os juros aplicáveis aos atrasos de pagamento das transacções previstas no presente diploma são os estabelecidos no Código Comercial.
2 - Sempre que do contrato não conste a data ou o prazo de pagamento, são devidos juros, os quais se vencem automaticamente, sem necessidade de novo aviso:
a) 30 dias após a data em que o devedor tiver recebido a factura ou documento equivalente;
b) 30 dias após a data de recepção efectiva dos bens ou da prestação dos serviços quando a data de recepção da factura ou de documento equivalente seja incerta;
c) 30 dias após a data de recepção efectiva dos bens ou da prestação dos serviços quando o devedor receba a factura ou documento equivalente antes do fornecimento dos bens ou da prestação dos serviços;
d) 30 dias após a data de aceitação quando esteja previsto um processo mediante o qual deva ser determinada a conformidade dos bens ou serviços e o devedor receba a factura ou documento equivalente antes dessa aceitação.
3 - O credor pode provar que a mora lhe causou dano superior aos juros referidos no n.º 1 e exigir a indemnização suplementar correspondente.
Artigo 5.º
Cláusulas nulas
1 - Nas transacções comerciais previstas no presente diploma são nulas as cláusulas contratuais que, sem motivo atendível e justificado face às circunstâncias concretas:
a) Estabeleçam prazos excessivos para o pagamento;
b) Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade pela mora.
2 - Nos casos previstos no número anterior, os contratos mantêm-se, vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos.
3 - Quando a nulidade afecte a cláusula que prevê o prazo de pagamento, aplicam-se os prazos previstos no n.º 2 do artigo anterior, salvo se o juiz, atendendo às circunstâncias do caso, estabelecer prazo diverso.
4 - A invocação da nulidade pode ser feita judicial ou extrajudicialmente, devendo, neste caso, ser efectuada por escrito, com a devida fundamentação.
5 - As cláusulas nulas referidas neste artigo, sendo cláusulas contratuais gerais, podem ser objecto da acção inibitória prevista no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, o qual estabelece o regime das cláusulas contratuais gerais, aplicando-se os respectivos artigos 25.º a 34.º, com as necessárias adaptações.
Artigo 6.º
Alteração ao Código Comercial
O artigo 102.º do Código Comercial passa a ter a seguinte redacção:
«Artigo 102.º
[...]
Há lugar ao decurso e contagem de juros em todos os actos comerciais em que for de convenção ou direito vencerem-se e nos mais casos especiais fixados no presente Código.
§ 1.º ...
§ 2.º Aplica-se aos juros comerciais o disposto nos artigos 559.º-A e 1146.º do Código Civil.
§ 3.º Os juros moratórios legais e os estabelecidos sem determinação de taxa ou quantitativo, relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas, são os fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça.
§ 4.º A taxa de juro referida no parágrafo anterior não poderá ser inferior ao valor da taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efectuada antes do 1.º dia de Janeiro ou Julho, consoante se esteja, respectivamente, no 1.º ou no 2.º semestre do ano civil, acrescida de 7 pontos percentuais.»
Artigo 7.º
Aplicação do regime da injunção
1 - O atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.
2 - Para valores superiores à alçada do tribunal de 1.ª instância, a dedução de oposição no processo de injunção determina a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum.
Artigo 8.º
Alteração ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro
Os artigos 7.º, 10.º, 11.º, 12.º, 12.º-A e 19.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, com a redacção dada pela Declaração de Rectificação n.º 16-A/98 e pelos Decretos-Leis n.os 383/99, de 23 de Setembro, 183/2000, de 10 de Agosto, e 323/2001, de 17 de Dezembro, passam a ter a seguinte redacção:
«Artigo 7.º
[...]
Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro.
Artigo 10.º
[...]
1 - ...
2 - No requerimento deve o requerente:
a) ...
b) ...
c) ...
d) ...
e) ...
f) Indicar a taxa de justiça paga;
g) Indicar, quando for o caso, que se trata de transacção comercial abrangida pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro.
3 - ...
Artigo 11.º
[...]
1 - O requerimento só pode ser recusado se:
a) ...
b) ...
c) ...
d) ...
e) ...
f) Não se mostrar paga a taxa de justiça devida;
g) O valor ultrapassar a alçada da 1.ª instância, sem que dele conste a indicação prevista na alínea g) do artigo anterior.
2 - ...
Artigo 12.º
[...]
1 - ...
2 - À notificação é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 231.º e 232.º, nos n.os 2 a 5 do artigo 236.º e no artigo 237.º do Código de Processo Civil.
3 - No caso de se frustrar a notificação por via postal, nos termos do número anterior, a secretaria obtém, oficiosamente, informação sobre residência, local de trabalho ou, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade, sobre sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral de Viação.
4 - Se a residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, para o qual se endereçou a carta registada com aviso de recepção, coincidir com o local obtido junto de todos os serviços enumerados no número anterior, procede-se à notificação por via postal simples, dirigida ao notificando e endereçada para esse local, aplicando-se o disposto nos n.os 2 a 4 do artigo seguinte.
5 - Se a residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, para o qual se endereçou a notificação, não coincidir com o local obtido nas bases de dados de todos os serviços enumerados no n.º 3, ou se nestas constarem várias residências, locais de trabalho ou sedes, procede-se à notificação por via postal simples para cada um desses locais.
6 - Se qualquer das pessoas referidas no n.º 2 do artigo 236.º do Código de Processo Civil, diversa do notificando, recusar a assinatura do aviso de recepção ou o recebimento da carta, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver.
7 - (Anterior n.º 4.)
8 - O disposto no presente artigo não prejudica a notificação por solicitador de execução ou mandatário judicial, nos termos previstos no Código de Processo Civil para a citação.
Artigo 12.º-A
[...]
1 - Nos casos de domicílio convencionado, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do diploma preambular, a notificação do requerimento é efectuada mediante o envio de carta simples, dirigida ao notificando e endereçada para o domicílio ou sede convencionado.
2 - O funcionário judicial junta ao processo duplicado da notificação enviada.
3 - O distribuidor do serviço postal procede ao depósito da referida carta na caixa de correio do notificando e certifica a data e o local exacto em que a depositou, remetendo de imediato a certidão à secretaria.
4 - Não sendo possível o depósito da carta na caixa do correio do notificando, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, datando-a e remetendo-a de imediato à secretaria, excepto no caso de o depósito ser inviável em virtude das dimensões da carta, caso em que deixa um aviso nos termos do n.º 5 do artigo 236.º do Código de Processo Civil.
Artigo 19.º
[...]
1 - A apresentação do requerimento de injunção pressupõe o pagamento imediato de taxa de justiça, através de estampilha apropriada, de modelo aprovado por portaria do Ministro da Justiça, no seguinte valor:
a) Um quarto de UC, quando o procedimento tenha valor inferior a metade da alçada do tribunal de 1.ª instância;
b) Metade de UC, quando o procedimento tenha valor igual ou superior a metade da alçada do tribunal de 1.ª instância e inferior a esta alçada;
c) 1 UC, quando o procedimento tenha valor igual ou superior à alçada do tribunal de 1.ª instância e inferior à alçada do tribunal de relação;
d) 2 UC, quando o procedimento tenha valor igual ou superior à alçada do tribunal de relação.
2 - Se o procedimento seguir como acção, são devidas custas, calculadas e liquidadas nos termos do Código das Custas Judiciais, devendo as partes efectuar o pagamento da taxa de justiça inicial no prazo de 10 dias a contar da data da distribuição, e atendendo-se na conta ao valor da importância paga nos termos do número anterior.
3 - Na falta de junção do documento comprovativo do pagamento, pelo autor, da taxa de justiça inicial no prazo referido no número anterior, é desentranhada a respectiva peça processual.»
Artigo 9.º
Aplicação no tempo
O presente diploma aplica-se às prestações de contratos de execução continuada ou reiterada que se vençam a partir da data da sua entrada em vigor.
Artigo 10.º
Disposições finais
1 - O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - Os artigos 7.º e 8.º do presente diploma entram em vigor no 30.º dia posterior à sua publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 20 de Dezembro de 2002. - José Manuel Durão Barroso - Maria Manuela Dias Ferreira Leite - António Manuel de Mendonça Martins da Cruz - João Luís Mota de Campos - Carlos Manuel Tavares da Silva.
Promulgado em 3 de Fevereiro de 2003.
Publique-se.
O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendado em 7 de Fevereiro de 2003.
O Primeiro-Ministro, José Manuel Durão Barroso
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