No dia 26 de Outubro de 2001, realizou-se em Sintra, na Sala da Nau do Palácio Valença, uma reunião de peritos organizada pelo OEC intitulada "Crédito à habitação e endividamento dos consumidores: cenários prospectivos".
Esta sessão de trabalho teve por finalidade debater a situação actual e as possíveis evoluções do crédito à habitação em Portugal, articulando-o com a problemática do endividamento das famílias. Nela participaram representantes das instituições de crédito e de defesa do consumidor, dos sectores da construção civil e da mediação imobiliária, e instituições públicas intervenientes no sector da habitação e no domínio do endividamento dos consumidores, num total de 37 pessoas.
O programa de trabalhos, que incidiu na apreciação da situação actual e na perspectivação da evolução futura, visou criar as condições para uma reflexão séria, quer através da apresentação dos mais completos elementos de análise disponíveis, quer incentivando a discussão entre todos os presentes.
Uma ideia chave esteve presente ao longo dos trabalhos e foi manifesta em diversas intervenções: o mercado da habitação é ainda marcado por opacidades várias (designadamente ao nível dos preços) e a informação, a monitorização permanente da situação e a prevenção são elementos fundamentais na conjuntura actual em matéria de endividamento e de sobreendividamento dos consumidores.
Não há uma informação suficientemente desagregada que permita avaliar se o nível de endividamento dos consumidores em Portugal é excessivo, e em que medida a inversão do ciclo económico pode ou não gerar situações graves de incumprimento. Sublinhou-se igualmente que uma informação reduzida a valores médios ignora a heterogeneidade de situações e não permite avaliar o grau de solvência das famílias (assim como as diferentes capacidades de acomodação às alterações da situação sócio-económica), sendo fundamental dispor de estatísticas desagregadas do endividamento, nomeadamente segundo as características sócio-económicas dos devedores. Em consequência da escassez da informação constatou-se não ser a questão do carácter excessivo ou não do endividamento completamente pacífica entre os participantes na reunião.

É certo que o nosso país passou muito rapidamente de uma situação de baixa taxa de endividamento dos consumidores (na primeira metade dos anos noventa) para uma outra caracterizada por apresentar um dos mais elevados níveis de endividamento e a maior taxa de crescimento do endividamento da área do euro. Foi, por isso, consensual a ideia de que é essencial a aposta na informação e na educação para o crédito. No que se refere à informação estatística, merecem particular destaque as apresentações do Banco de Portugal e da Caixa Geral de Depósitos, as quais facultam importantes e variados elementos para a análise do endividamento dos consumidores associado à habitação. Os dados apresentados sugerem duas notas, uma negativa, outra positiva. A primeira diz respeito à dimensão e rapidez do crescimento do endividamento, num quadro em que muitos consumidores estão ainda pouco familiarizados com o fenómeno do crédito (pese embora a experiência já longa de alguns intervenientes pelo lado da oferta) e que terão, em consequência, alguma dificuldade em gerir situações menos favoráveis. Decorre daqui a importância fundamental da educação para o crédito, salientada na Reunião. A nota positiva diz respeito à relativa flexibilidade do mercado do crédito à habitação em Portugal e à racionalidade demonstrada pela generalidade dos consumidores, manifesta na forma como, depois de um período de forte crescimento associado à presença de vários factores causais muito positivos (o mais saliente dos quais foi a significativa descida das taxas de juro ao longo da década de noventa), o crédito à habitação desacelerou, na sequência da inversão registada ao nível das taxas de juro, a partir da segunda metade de 1999. Obviamente, isto não invalida, como foi também salientado, que muitos consumidores marginais possam ter comportamentos mais marcados pela euforia ou pelo pessimismo, os quais, no primeiro caso, serão mais passíveis de cair em situações de sobreendividamento.
Quanto à informação aos consumidores, foi enfatizado o facto de, sendo necessária a responsabilização dos bancos e dos consumidores, o que passa pela avaliação correcta do risco e das condições financeiras com que cada agregado familiar pode enfrentar os seus compromissos de crédito, ser também fundamental agir ao nível da transparência, o que passa, entre outras coisas, pela disponibilização da informação adequada (por exemplo a simulação de planos de pagamento com diferentes taxas de juro) e pela importância da aplicação do Código de Conduta Voluntário por parte das instituições financeiras (ver as notas da apresentação sobre este Código e o texto do Acordo Europeu sobre o Código de Conduta Voluntário).
Finalmente, refira-se o destaque dado à necessidade de empenhamento de todos na procura de soluções para o problema do incumprimento nos contratos de crédito à habitação, em particular por parte dos bancos e do Estado. Aquelas soluções interessam, como foi notado, não só aos consumidores mas à própria Banca, e são variadas, passando pela adopção de medidas legislativas (algumas já tomadas como, por exemplo, a flexibilização dos prazos dos empréstimos) e pela renegociação de contratos sempre que necessário, uma prática que, de acordo com o representante da CGD, tem vindo a ser há muito utilizada de forma casuística para resolver as situações que vão surgindo de dificuldade de satisfação dos compromissos de crédito assumidos pelos seus clientes.